quarta-feira

Árvores da Zona Norte do Rio têm valor afetivo e são objeto de culto

Por Mariana Müller (mariana.samor@oglobo.com.br)
Fonte: Agência O Globo


Na sombra de uma frondosa jaqueira, muitos compositores da Portela entoaram sambas históricos da escola. Mas, em 1952, quando a quadra Portelinha, também conhecida como Maracanã do Samba, recebeu uma cobertura, os bambas sofreram com o corte da árvore. Entre eles, Zé Kéti, que eternizou a jaqueira em 1963, nos versos "Quem é que não se lembra/Da jaqueira/Da jaqueira da Portela/Velha jaqueira/Amiga e companheira/Eu sinto saudades dela", lembra Marquinhos de Oswaldo Cruz.
A Zona Norte tem a pior arborização urbana da cidade e, segundo o levantamento finalizado este ano pelo arborista Luiz Octávio Pedreira, é o local onde há menos árvores "protegidas". Para ele, as duas formas mais comuns de proteção são o chamado decreto imune de corte, que valoriza as árvores em função da sua localização, porte, espécie, raridade, beleza, história ou relação com a comunidade; e o tombamento como patrimônio cultural. Os poucos troncos que se destacam na região têm valor sentimental. São de uma categoria especial, que não está incluída no Código Florestal, mas cativam os moradores. É o caso da gameleira, xodó da mãe de santo Edelzuita de Oxalá, que fica nos fundos do quintal do terreiro Ilê Obá Nilá, em Vila Valqueire, e é considerada símbolo sagrado, com direito a decoração e agrado com doces.
- A gameleira é o abrigo do Iroco, um orixá cultuado no candomblé por sua grandiosidade e energia. Ela é tão acarinhada que já deu mais de 30 metros de copa e passou do meu terreno - diz ela.
Famosa e considerada um símbolo de sorte, a tamarineira do Cacique de Ramos é o orgulho do presidente do bloco, Ubirajara do Nascimento.
- A minha mãe Conceição, mãe de santo abençoada pela Mãe Menininha, disse para escolher um lugar onde houvesse uma tamarineira. Quando encontrei o terreno, ela colocou o preceito (abençoou) para abrir as portas cada vez mais do Cacique de Ramos. E aí, nós criamos o Fundo de Quintal, e o grupo se tornou um dos maiores movimentos culturais do pais. Essa árvore tem dado muitos frutos para música brasileira. É sagrada mesmo. Muita gente vem aqui só para tocá-la e fazer um pedido - afirma Bira.
A pesquisadora de cultos afro-brasileiros Márcia Pessoa explica que, no candomblé, todos os orixás são cultuados por meio de energias da natureza. Com isso, várias plantas as são consideradas sagradas.
Outra árvore que também se espalhou pelo Rio e se tornou símbolo da Família Real Portuguesa é a Palmeira Imperial, um presente que Dom João VI deu ao país. Foi o próprio quem plantou as primeiras mudas no Jardim Botânico, na Zona Sul.
Anos depois, algumas mudas passaram a embelezar a sua residência na Quinta da Boa Vista. É possível encontrá-las em toda a região de São Cristóvão.
Paisagem urbana em transformação
Paralela à linha do trem na Rua Jorge Coelho, em Brás de Pina, as sapucaias mudam a cor das folhas na primavera, ficando rosas. Com copas grandes, estão próximas umas das outras e moradores passaram a chamar a via de túnel cor-de-rosa.
- Os frutos abrem ao longo do ano; suas flores, em outubro e novembro, na mesma época em que as folhas novas ficam rosadas. Provavelmente as folhas rosas ajudam na atração dos polinizadores - diz o arborista Luiz Octávio Pedreira.
Assim como as sapucaias, as mais antigas encontradas na Zona Norte, segundo a Fundação Parques e Jardins, são amendoeiras, oitis, mungubas, patas de vaca, ficus benjaminas, algodoeiros-da-praia e mangueiras. Mas, aos poucos, com o novo projeto de plantio da prefeitura, a paisagem está sendo modificada e novas espécies nativas da Mata Atlântica chegam ao Méier; ipês roxos e amarelos e a sibipiruna, à Zona da Leopoldina.
- Ainda acham que plantamos árvores exóticas que, antigamente, davam só sombra. A ciência de arborização no Brasil mudou e adotamos espécies da Mata Atlântica, mas moradores da Zona Norte rejeitam alguns pontos de plantio. Na Pavuna, levantamos 1.500 pontos de plantio, mas conseguimos fazer 500 - diz o diretor de arborização da Fundação Parques e Jardins, Flávio Telles.

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