segunda-feira

A figueira da minha infância

Por: José Pedriali
 
Havia uma figueira, e era sob ela que, à noite, meu irmão Marco, meus primos Gilberto e Cristina e eu – escoltados por tio Pedro – nos sentávamos, num banco de pedra.
A figueira ficava no início da avenida Paraná, em seu entroncamento com a Quintino Bocaiúva, Tupi e Ceará (hoje Hugo Cabral). Centro de Londrina.
Era o cenário em que o tio contava suas histórias, que não tinham fim – não pela extensão, mas pela diversidade.
Quando ele se cansava, ou quando nossa capacidade de absorver suas narrativas havia se esgotado, nos dedicávamos a uma brincadeira impossível hoje: tentar adivinhar o modelo do carro que passaria por nós.
Impossível hoje devido à quantidade de carros e diversidade de modelos. No início dos anos 60, que é quando nos sentávamos sob a figueira, a passagem de um carro era um acontecimento – e os modelos, todos importados, eram Fords, Chevrolets, alguns Buicks e um ou outro “exótico”.
Quando ouvíamos o barulho de um carro, dávamos as costas à rua pela qual ele trafegava, fechávamos os olhos – Cristina era a vigilante – e arriscávamos o palpite.
A figueira, explicava tio Pedro, tinha grande simbolismo: fora a primeira árvore plantada durante a administração de Hugo Cabral (1947-51) num programa de arborização que envolveu a população.
O plantio dessa árvore, li muito tempo depois, foi assistido por dezenas de pessoas. Entre elas estava o médico Jonas de Faria Castro Filho, o doutor Joninhas, falecido na semana passada. Ele foi um dos fundadores do Aeroclube, que teve participação destacada nesse programa de arborização.
O local sofreu profunda transformação. A avenida Paraná foi fechada para veículos a partir desse ponto até a rua Minas Gerais, dando origem ao Calçadão. Isso foi na primeira administração de Antonio Belinati (1977-82). O piso, projetado por Jaime Lerner em peti-pavê, era preto e branco e formava desenhos geométricos.
A figueira resistiu a tudo. À mudança paisagística, à evolução da cidade, ao tráfego de veículos e de pedestres, à geada que pulverizou nosso café em 1976…
… até que um prefeito, que buscava uma obra de visibilidade para deixar sua marca para o futuro, e esse futuro era sua reeleição – praticamente impossível devido ao acúmulo de acusações a que responde -, sepultou o passado.
O piso do Calçadão exigia uma ampla reforma, não há dúvida, mas – à revelia dos arquitetos e destruindo um patrimônio histórico – o (por enquanto) prefeito Homero Barbosa substituiu o petit pavê pelo paver e suas cores e desenhos por um salamaleque que faz lembrar o arco-íris.
Não bastasse isso, o (por enquanto) prefeito autorizou o maior dos crimes: a erradicação da figueira que resultou do esforço e da visão de futuro de uma geração de homens e mulheres que construíram os pilares da nossa cidade.
Há poucos dias, o (por enquanto) prefeito autorizou o corte de outras árvores – ipês amarelos e sibipirunas, entre outras – em outro ponto do Calçadão.




Fonte: Odiario.com

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