terça-feira

À sombra do silêncio

O único Jardim Botânico brasileiro voltado para a agricultura, formado no centenário Instituto Agronômico de Campinas, está quase "oculto"

Terra da Gente - Josiane Giacomini e Maraísa Ribeiro

O prédio imponente numa das principais avenidas de Campinas (SP), já anunciava, em 1887, em sua arquitetura e no próprio nome, o que viria a ser: Instituto Agronômico. Mas o lugar, fundado pelo Imperador Pedro II, foi muito além de sua vocação agrícola ou de gerar ciência e tecnologia para este segmento da economia. Desde seu nascimento, guardou na história uma faceta que a maior parte das pessoas nem sequer desconfiava existir: o fato de o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) ser também um Jardim Botânico na essência. Tanto que está classificado pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos na Categoria B, a mesma conferida ao mais famoso deles, o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.


E sabe por quê? Florescem em seu interior exemplares raros da flora brasileira e mundial, caso do amazônico pau-mulato (Calycophyllum spruceanum), que chama a atenção pela singularidade de seu tronco, que quando renova a casca, uma vez por ano, expõe-se totalmente verde. Mas, em geral, sua coloração é bronzeada e brilhante. Há ainda a cebola-da-restinga (Clusia lanceolata), nativa do litoral, que chega a atingir 12 metros de altura e possui flores de coloração vermelha apenas em seu cerne. Outra espécie, originária da Ásia, é a saraca (Saraca indica). De porte pequeno, chamam a atenção suas flores amarelo-alaranjadas e as brotações rosa-avermelhadas.

Mas a diferença do Jardim Botânico do IAC, diferentemente do carioca – cantado em verso, prosa, vídeo e foto por tantos artistas –, é que ele ainda carece de mostrar-se ao público. É diamante em pedra bruta. E a exemplo do que acontece com a maioria das riquezas do Brasil, faltam-lhe os meios para apresentar-se em traje de gala. Em outras palavras: falta-lhe uma infraestrutura mínima de visitação para receber turistas, projeto engavetado há anos pelo governo do estado de São Paulo, responsável pela gestão do Instituto. Por isso, hoje, as visitas ao Jardim Botânico são feitas com dia e hora marcadas, especificamente na área da Fazenda Santa Elisa e Monjolinho, para onde toda a coleção foi “transferida” no final da década de 1960.


Ao prédio central – tombado em 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), em um processo que excluiu apenas o atual prédio da Administração – couberam as visitas técnicas, a pós-graduação e o abrigo de pessoal especializado (embora um passeio por seus jardins também seja aprazível a qualquer pessoa que aprecie o contato com a natureza).

Para o diretor do Núcleo Jardim Botânico/Centro de Recursos Genéticos do IAC, Renato Ferraz de Arruda Veiga, embora o espaço tenha nascido essencialmente agrícola e para servir à medicina – as primeiras espécies plantadas foram para uso em hospitais – não dá para descartar a parte arbórea e ornamental que hoje ele abriga. Até porque “elas são mais a cara de um jardim botânico”, admite. “Para a sociedade, é muito mais atrativo.”

Atualmente, a coleção do IAC possui cerca de 5.100 espécies, sendo que 3 mil delas são consideradas “ornamentais”, termo mais ligado à função que propriamente à espécie, já que um pé de café, se colocado em vaso numa sala, pode ser considerado ornamental, como explica Luiz Antonio Ferraz Matthes, diretor do Centro de Horticultura – ao qual está vinculada a antiga Seção de Floricultura. Entenda-se por ornamentais os arbustos, as árvores e as herbáceas (flores). As espécies existentes nesses grupos podem ser exóticas ou nativas. No banco completo, há que se dizer, existem também as coleções de arroz, trigo, feijão, café, algodão e, claro, as hortaliças.


Os bancos ativos de germoplasma somam cerca de 40 coleções, incluindo as culturas agrícolas. Germoplasma é a soma total do material genético capaz de reproduzir uma planta. As coleções começaram a ser montadas na década de 1920. “Em 1968, foi montado o Monjolinho, a maior coleção de plantas exóticas e nativas do IAC”, ressalta Renato Veiga. Antes disso, a coleção já vinha sendo formada pelo pioneiro Hermes Moreira (veja a seção Gente da Terra, à pág. 58), que naquele ano a transferiu da área central de Campinas para a fazenda.


Por conta desse histórico, pesa em favor do Jardim Botânico do IAC o fato de ser também o único no Brasil – das 34 instituições existentes no País – com proposta agrícola. “O fato de possuirmos bancos de germoplasma de plantas agrícolas e de sermos uma instituição voltada para este fim nos permite trabalhar a educação ambiental também com o prisma agrícola na recepção de visitantes”, ressalta. É um jeito de transmitir ao público, de maneira sutil, “o conhecimento da ciência agrícola”. Até porque, “o ornamental também é agricultura”, argumenta. As flores dos mercados que o digam...


Segundo o biólogo Jefferson Otaviano, do Núcleo Jardim Botânico, as atividades de educação ambiental hoje têm, em média, 200 visitantes por mês. A expectativa com a inauguração do Jardim Sensorial, que está aberto ao público duas vezes por semana desde maio deste ano, é que este número aumente consideravelmente.

Mas por que o único Jardim Botânico de Campinas passa completamente despercebido por quem circula pela avenida que é acesso à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx)? Simplesmente porque não há uma única placa a validar-lhe a existência. E como conhecer algo que aparentemente não existe?


Renato Veiga sonha com o dia em que os visitantes da Lagoa do Taquaral, um grande parque público a poucas quadras do Jardim Botânico, estejam a caminhar na fazenda. Num projeto alinhavado desde as comemorações do “Brasil 500 anos”, em 2000, previa-se a construção de hotel, lanchonete, banheiros, monitoria e uma estrutura mínima para receber turistas. Ficou no papel.


Agora, segundo Luiz Antonio Matthes, um novo projeto foi feito, denominado Fazenda Ciência, mas ainda assim segue no mesmo patamar. Ou seja, sem se concretizar. A ideia é fazer vários pontos de parada em toda a propriedade, com estações específicas que mostrem aos visitantes, dependendo do assunto, como as culturas são realizadas, do preparo da terra ao produto final. Dá para fazer exemplificações com culturas agrícolas como cana-de-açúcar, café e borracha (seringueiras), bem como com a coleção de ornamentais e medicinais. “Esse é o tipo de estrutura que a gente espera ter”, diz Renato Veiga. A iniciativa privada, neste caso, é para lá de bem-vinda (se a política não atravancar o processo).


Até lá, Matthes também segue a adiar sua aposentadoria. “Estou preocupado. É um dos motivos de eu não ter me aposentado. Não tem quem dê continuidade”. No Monjolinho, são 50 hectares de floresta, divididos em quase 50 quadras, onde anualmente é feito um levantamento das espécies. Embora em cada “quarteirão” se repitam indivíduos (até para assegurar-lhes a existência), é preciso muita manutenção e, consequentemente, funcionários para o trabalho – hoje limitados a um casal e um auxiliar. Num incêndio recente, em que o aceiro deixou de ser feito, duas quadras foram totalmente destruídas. Resultado: perderam-se importantes exemplares da flora brasileira. “Morreu quase tudo. São plantas que você demora mais de 20 anos para conseguir”, lamenta o pesquisador.


Para isso, não dá para terceirizar a pesquisa. “Não é aumentar salário de pesquisador. É contratar gente de campo. Tem que formar pessoas”. O próprio Matthes pergunta e responde: “O que estamos perdendo? Primeiro, um investimento aplicado, de décadas, que está indo pelo ralo. E, segundo, em termos de biodiversidade, muitas espécies que dificilmente vamos encontrar de novo.” A única saída, a seu ver, é a pressão popular. “O político só dá uma resposta a partir do momento que a população pressiona”.


Matthes exemplifica que até hoje Campinas é uma referência em arborização urbana boa parte em razão das mudas cedidas pelo IAC de plantas nativas e gradativamente melhoradas – e aqui entra, outra vez, a mão verde do doutor Hermes Moreira. “Enquanto nas demais cidades vê-se pouca variabilidade de espécies nas ruas, aqui a diversidade é o que faz a diferença. Se quiserem, as pessoas levam as sementes da rua”. Tanto é que Campinas raramente se apresenta desprovida de flor. Aqui e ali, o ano inteiro há sempre um exemplar a surpreender quem passa. “E esse foi um trabalho do Agronômico”, salienta o pesquisador.

Sobre a própria insistência em seguir em frente, apesar das adversidades, Matthes reconhece: é movido pela paixão àquilo que faz. “É a única palavra que consigo definir. É a mesma coisa de um pai abandonar um filho. Você luta até a última hora com o filho no colo.”
 

Do café ao etanol


No dia 27 de junho, o Instituto Agronômico de Campinas, que nasceu sob as bênçãos de um imperador, completa 124 anos. E tem, claro, muitas razões para ser reverenciado. À frente da pesquisa, desenvolvimento e transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos em recursos genéticos vegetais, jardim botânico e educação ambiental agrícola, não há como negar: ele é uma referência única no País. Basta dizer que o IAC possui 80% do total de coleções de plantas agrícolas do estado de São Paulo e se sobressai também pela preservação de espécies nativas da Mata Atlântica e do Cerrado. São poucas as instituições que trabalham tão intensamente e há tanto tempo em conservação e uso de recursos genéticos no Brasil.   


O café, cultura que inicialmente deu notoriedade ao Instituto e foi seu carro-chefe, ainda hoje é destaque. Tanto que 90% das variedades plantadas no Brasil são do IAC, e se espalharam também pela Colômbia e Costa Rica, outros grandes produtores. Além disso, recebeu reconhecimento internacional em 2004 ao localizar, em seu próprio Banco de Germoplasma, um café naturalmente descafeinado.  

E com a pressão cada vez mais constante sobre a geração de combustíveis não fósseis, o etanol é a bola da vez. De todas as variedades de cana-de-açúcar lançadas nos últimos 12 anos, 20% são do Instituto, que também pesquisa fontes alternativas como girassol e amendoim.


A Floresta nas Mãos

Os três meses de andanças das jornalistas Josiane Giacomini e Maraísa Ribeiro pela sede central e unidade de campo do Instituto Agronômico de Campinas resultaram na exposição “A Florestas nas Mãos”, com 22 fotos de Josiane.

O trabalho jornalístico, com a ajuda do técnico de apoio Francisco de Assis Leitão de Moraes – Chico –, fotografou a catalogou mais de cem espécies para o banco de flora do portal Terra da Gente (www.terradagente.com.br).  

Algumas raridades encontradas são mostradas na exposição, como a brasileiríssima tataré (Chloroleucon tortum), com seus troncos tortuosos; a rosa-de-pau (Merremia tuberosa), um fruto que parece uma flor de madeira; o raro mogno (Swietenia macrophylla), ameaçado de extinção; e a sol-da-mata (Brownea grandiceps), de nome autoexplicativo.  

A mostra em comemoração aos 124 anos do IAC é uma parceria entre a revista e o portal Terra da Gente, dois produtos jornalísticos do grupo EPTV, e o Instituto.

ONDE VER

A exposição “A Floresta nas Mãos” está no hall do prédio administrativo do IAC (Av. Barão de Itapura, 1.481, tel. (19) 2137-0600) até o dia 30 de junho e pode ser vista em horário de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 17h00. Tem estacionamento.


SAIBA MAIS
Sobre o IAC e o Jardim Botânico no site www.iac.br e sobre as espécies fotografadas e catalogadas no portal www.terradagente.com.br  

4 comentários:

Anônimo disse...

Agradecemos o precioso cuidado na construção da matéria com texto e imagens excepcionais. Foi preciso muita sensibilidade para chegar nesse nível.Salve! Muito obrigado, Chico, aos 15/07/2013. Demorou!

Anônimo disse...

Espetacular! Deus abençoe voces a Natureza e a Vida

Anônimo disse...

Muito obrigado pelo precioso cuidado na construção da matéria, com texto e imagens excepcionais. Foi preciso muita arte e sensibilidade para chegar nesse nível. Salve! e muito obrigado. chico em 15/07/2013. Demorou ein?

Unknown disse...

Não mais em silêncio!